segunda-feira, 19 de agosto de 2013

Um crime no Brasil. Adolescência e video games. O que sabemos até o momento.
Por Equipe Neuro Games (Leonardo Marengo, Thiago Strahler Rivero, João Vitor Guedes e João Ricardo Vissoci).

(fig. retirada do site: http://www.auriverde.am.br/site/noticias/ler/relacao-entre-jogos-e-violencia-ainda-e-incerta)
Recentemente, um fato emocionou todo o Brasil. Marcelo Pesseghini. um adolescente de 13 anos é, até o momento, o principal suspeito do assassinato de seus pais. O fato foi coberto de mistério ao se descobrir que o adolescente havia colocado no Facebook, dias antes do assassinato, uma foto com a imagem de um personagem de Assassin’s Creed, um famoso jogo de video game de ação.


Pontos de interesse abordados no texto:
    • Os video games são utilizados por milhões de pessoas em todo o mundo. Seu uso se é compartilhado por pessoas de todas as idades.
    • Em relação ao debate violência-video game, correlação não é o mesmo que causação.
    • A adolescência é uma fase de desenvolvimento caracterizada por uma variabilidade comportamental pronunciada.
    • Os video games demonstram ser ferramentas eficazes na avaliação, treinamento e reabilitação cognitiva.


Video games e adolescência. Podemos discutir esse evento em diversas formas e graus de
profundidade.
1) Poderíamos começar com uma pergunta simples: Essa associação game-violência, não poderia ser feita de outra forma, como por exemplo, jogar futebol-violência? será que o único hábito que o jovem Marcelo mantinha era o de uso de video game? Vamos pensar sobre um fato bem típico de nossa sociedade atual: Dizer que um jovem que praticou algum ato de violência ou transgressão possuía um video game é tão relevante quanto afirmar que o mesmo possuía um aparelho smartphone. Ou que esse mesmo jovem acessava a internet, tinha televisão em casa, enfim, até que escutava determinado estilo de música característico da fase adolescente.


Há no Brasil grande desconhecimento com relação a indústria do entretenimento eletrônico. Poucos sabem, por exemplo, que grande parte dos jogadores de games estão na faixa acima dos 20 anos de idade (Newzoo, 2013; ESA, 2013). Também se ignora no Brasil outro dado: ter um video game é tão comum na atualidade quanto ter celular. Aliás, ter acesso aos jogos é mais fácil ainda, pois esses se encontram na internet, nos tablets, celulares e até em televisores mais sofisticados.


Estamos também falando de uma geração que cresceu e se identificou com os elementos desse Universo. É bem comum encontrarmos avatares de Facebook com personagens ou elementos de algum jogo específico, ou da pessoa trajando algo relacionado a isso. Esclarecido esse fato atual e muito ignorado pela mídia, voltemos à discussão.


Isso nos lembra a velha confusão entre correlação e causação na qual acreditamos que um evento A (no caso jogar Assassin’s Creed) que ocorre em paralelo a outro evento B (no caso matar uma família inteira) tem o poder de causar e não apenas pode ser um fator que ocorre de forma simplesmente coincidente. Por exemplo, o que pode estar causando ele jogar games são os amigos, a mídia, a vontade de se divertir, etc. E o que pode ter causado (subtenda-se o que levaria) ele a matar a família, pode ser uma outra questão, como um transtorno do comportamento. Confundir correlações com causações é uma discussão antiga no mundo dos games, uma que vêm sendo anualmente debatida e em geral, invalidada.


Muitos estudos propõem que o tempo de exposição a estímulos negativos (jogos com conteúdo associado a morte/violência) poderiam levar a um aumento do comportamento violento, correlação essa que nunca foi comprovada (Lang et al., 2012; Tear & Nielsen, 2013).


2) Outro fato conhecido na humanidade é a própria aversão ao novo. O chamado Pânico Moral é associado com uma não compreensão do domínio semiótico de um novo meio de comunicação. Por conta disso, Platão (escrita), Jazz (música de negros), Rock and Roll, Gibis,  Televisão, Role Playing Games, Rap, Facebook e os video games, foram todos ao seu tempo hostilizados e posteriormente idolatrados como a grande ferramenta do momento.


3) Transtornos comportamentais estão claramente associados com alguns dos comportamentos supostamente exibidos pelo jovem, desde o ato de possivelmente ter matado a família a noite e ido a escola na manhã (desprezo com relação ao ato cometido), até o fim trágico com o suicídio do mesmo.


4) Por fim, quem trabalha com psicologia e/ou ciências sociais sabe a dificuldade que existe em isolar uma única variável e poder avaliar o impacto dessa única variável em uma consequência tão complexa como o ato de decidir matar toda a sua família, usando a arma dos seus pais policiais.


5) O cérebro do adolescente é extremamente maleável. A adolescência se caracteriza por um predomínio acentuado da impulsividade. Nesse sentido, os adolescentes são susceptíveis de se envolverem em atos desfavoráveis que, devido a natureza de seu cérebro em desenvolvimento e suas limitadas habilidades sociais, não conseguem refletir sobre todas as consequências que os mesmos podem gerar na sociedade.


Se destacam, também, comportamentos irracionais, como o abuso de drogas (como álcool, tabaco e drogas recreativas). Por outro lado, o desejo de romper com o esquema e a herança familiar é um fator determinante para fortes discussões e, em essência, a violência familiar. A oscilação entre a dependência e a independência é uma constante. A rebeldia começa a aparecer. A identidade de um adolescente é prematura. Necessita experimentar sensações novas, conhecer o mundo, e o sentido dos valores e humores de quem o rodeia. Talvez isso possa explicar um pouco o por que do humor dos adolescentes ser sumariamente variável e sensível ao contexto vivido.


É por tudo isso que a puberdade é uma etapa crítica do desenvolvimento. Os comportamentos passivos, durante essa fase do desenvolvimento, não ocupam um lugar importante. Marcelo encaixa em esses padrões comportamentais. As evidências, por mais cruas que sejam, reafirmam características e padrões comportamentais típicos dessa etapa da vida. A experiência ganha com esses atos, são acumuladas, e posteriormente recuperadas na vida adulta. A consistência biológica, no que se refere a organização neuronal, é conquistada, então, nessa última fase.
Buscando concluir essa pequena reflexão, existe um crescente corpo de evidência que suporta o uso do video game como ferramenta para treinamento cognitivo de pessoas de todas as idades; desde crianças até a querida terceira idade. Assim, um estudo recente que relata que pessoas mais velhas que utilizam video game durante o seu dia a dia, apresentam um desempenho emocional positivo, ou seja, se sentem melhor (Allaire et al., 2013).


Em uma outra linha, os video games ocupam um lugar muito importante dentro da sala de aula. A educação é a mão direita do video game. Essa é a linha de investigação mais profícua dentre todos os estudos de video game. Em relação a isso, os video games vem demonstrando que são ferramentas eficazes para o aprendizado de ciências e também para a aquisição de habilidades especificas, como as requeridas em cirurgias laparoscópicas (Pagnotti & Russell III, 2012).


Em patologias específicas, os videos games não ficam atrás. Existem vários jogos desenhados especificamente para o tratamento cognitivo da depressão, como SPARX, um jogo que demonstrou funcionar aceitavelmente para a supressão de pensamentos depressivos para adolescentes (Merry et al., 2012, imagem 1).


Imagem 1:. SPARX, exemplo de treino de emoções.
A luta contra o câncer também despertar interesse no mundo dos jogos. Re-Mission é um jogo que, além de ser divertido, influência de maneira notável na conversão de sentimentos negativos a positivos em adolescentes e adultos jovens que sofrem de enfermidades, proporcionando esperança e bem estar emocional (Kato et al., 2008, imagem 2).
Imagem 2:. Re-Mission, explodindo células cancerígenas


Um dado não menos importante. Barack Obama acaba de financiar projetos para estudar como o video game influência o comportamento dos jovens.

Bibliografia
Allaire, J. C., McLaughlin, A. C., Trujillo, A., Whitlock, L. A., LaPorte, L., Gandy, M. (2013). Successful aging through digital games: Socioemotional differences between older adult gamers and Non-gamers. Computers in Human Behavior, 29, 1302-1306.

ESA. (2013). Essential Facts About the Computer and Video Game Industry; obtenido de http://www.theesa.com/facts/pdfs/ESA_EF_2013.pdf

Kato, P. M., Cole, S. W., Bradlyn, A. S., Pollock, B. H. (2008). A Video Game Improves Behavioral Outcomes in Adolescents and Young Adults With Cancer: A Randomized Trial. Pediatrics, 122(2).

Lang, A., Bradley, S. D., Schneider, E. F., Kim, S. C., Mayell, S. (2012). Killing is positive! Intra-game responses meet the necessary (but not sufficient) theoretical conditions for influencing aggressive behavior. Journal of Media Psychology: Theories, Methods, and Applications, 24(4), 154-165.

Merry, S. N., Stasiak, K., Shepherd, M., Frampton, C., Fleming, T., Lucassen, M. F. G. (2012). The effectiveness of SPARX, a computerised self help intervention for adolescents seeking help for depression: randomised controlled non-inferiority trial. BMJ, 344.

Newzoo. (2013). 2013 Global Games Market Report; obtenido de http://www.newzoo.com/products-page/reports/global-games-market-reports/2013-global-games-market-report/



Pagnotti, J., Russell III, W. B. (2012). Using Civilization IV to Engage Students in World History Content. The Social Studies, 103(1), 39-48.

Tear, M. J., Nielsen, M. (2013). Failure to Demonstrate That Playing Violent Video Games Diminishes Prosocial Behavior. PLoS ONE, 8(7).